Descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar

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Descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar.

Há quem os tome por sinónimos, mas não são. A Grécia já teve um segundo resgate; a Irlanda poderá em breve ter o primeiro programa cautelar. Portugal quer seguir-lhe as pisadas.

1. Para que servem?

Um resgate, ou seja, um programa de assistência financeira assegurado pela comunidade internacional e condicionado a um conjunto de medidas e metas que têm de ser cumpridas pelo país beneficiário, é o instrumento de resolução de crises mais extremo, poderoso e intrusivo. Um segundo resgate oficial (ou seja, um segundo empréstimo da UE e do FMI enquadrado por um novo memorando de entendimento) foi o que a Grécia recebeu em Março de 2012, porque não havia a menor condição de o país regressar aos mercados quando se encarava o fim do primeiro programa de assistência financeira da troika, acordado em Maio de 2010. No caso grego, o segundo resgate foi acompanhado da exigência “irrepetível” de que os investidores privados perdoassem parte da dívida grega em sua posse.

 

Já um programa cautelar assenta, ao invés, no pressuposto de que o país beneficiário reúne o mínimo de condições para se financiar nos mercados. Essa avaliação é feita com base em seis critérios entre os quais figura “um passado de acesso, em termos razoáveis, aos mercados internacionais de capitais” e uma dívida pública e posição externa “sustentáveis”.

 

Os programas cautelares estão previstos no papel (em concreto, no quadro das novas modalidades de assistência que foram conferidas ao Mecanismo Europeu de Estabilidade), mas nunca foram até hoje accionados. Como o nome sugere, pretende-se oferecer uma espécie de seguro, inspirado nas linhas de crédito flexíveis do FMI. No limite, estas linhas de crédito, ou autorização de saque de fundos, podem até nunca ser activada se o país conseguir satisfazer as suas necessidades de financiamento pelas vias normais, junto dos investidores. Já no quadro de um resgate, o país suspende o essencial das operações de venda de dívida e fica por um período a ser sustentado por empréstimos “oficiais”.

 

Ainda ao contrário do resgate, que é um instrumento de resolução de crises, os programas cautelares pretendem prevenir crises – ou o seu agravamento. Foram, aliás, originalmente pensados no auge da crise do euro para evitar que uma Espanha ou uma Itália chegassem a uma situação em que, perante o fecho dos mercados, tivessem também de ser resgatados – opção que acarretaria custos financeiros e políticos possivelmente incomportáveis para os próprios e para a Zona Euro.

 

Os programas cautelares poderão, no entanto, ser inaugurados não por pesos-já-pesados do euro mas por recém-resgatados. A Irlanda é o primeiro potencial candidato. O financiamento oficial da troika termina em 8 de Dezembro, mas como as taxas de juro da dívida irlandesa a dez anos (“yields”) andam no nível muitíssimo aceitável de 3,6% (as portuguesas estão em 6,2%), o Governo de Dublin poderá tentar o regresso aos mercados sem antes pedir uma “rede de segurança” aos parceiros do euro.

 

Ainda assim, o cenário central que se antecipa nos mercados e nos meandros europeus assenta num pedido irlandês de um empréstimo cautelar para reduzir os riscos na transição para um quadro de financiamento autónomo.

Portugal quererá seguir-lhe as pisadas no próximo ano, no quadro da preparação do fim do programa oficial, que termina em Junho de 2014. É neste contexto que se enquadrarão as recentes declarações, em Londres, do ministro da Economia Pires de Lima.

 

  1. 2. Como se activam?

Um segundo resgate ou um programa cautelar tem, em qualquer dos casos, de ser expressamente pedido pelo país em apuros. No primeiro caso, o pedido tem de envolver o FMI (ou seja, ter o aval de EUA, Japão, China, Brasil, Índia…), várias instituições europeias e parlamentos nacionais.

No caso do programa cautelar, o procedimento é comparativamente mais leve: o pedido é feito ao presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, actualmente Klaus Regling, que avaliará a sua oportunidade e riscos em ligação com o BCE e com a Comissão Europeia que desenhará o respectivo programa de condicionalidade, muito possivelmente em associação com os economistas do FMI.

 

  1. 3. Que condições exigem?

Em qualquer das opções – resgate ou programa cautelar, em qualquer das suas modalidades – haverá sempre a exigência de contrapartidas por parte dos credores.

 

No caso de Portugal, a condicionalidade -  designadamente em termos da exigência de se caminhar para o equilíbrio orçamental – não deverá ser fundamentalmente diferente com resgate, com programa cautelar ou mesmo numa situação em que o país tente regressar directa e plenamente aos mercados sem “rede de segurança”.

 

Recorde-se que o país aprovou, com os votos favoráveis do PSD, CDS e PS, a transposição para o seu ordenamento interno da “regra de ouro” do Tratado Orçamental, que impõe défices estruturais máximos de 0,5% do PIB e a obrigação de reduzir todos os anos a dívida pública até que esta regresse ao patamar de 60% do PIB. Para se ter uma ideia do que está pela frente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) calcula que a partir de 2015 o país terá de fazer uma consolidação orçamental adicional, que permita a obtenção de “excedentes primários crescentes e superiores a 4% do PIB até 2020”. A título de comparação, refira-se que pela primeira vez em duas décadas e após três anos de troika, Portugal deverá ter em 2014 o primeiro excedente primário equivalente a 0,3% do PIB.

 

  1. 4. Quem financia?

O FMI tem financiado uma parte de todos os resgates a soberanos da Zona Euro, embora progressivamente menor: assegurou um terço dos empréstimos a Portugal, Irlanda e Grécia, mas só 10% do concedido a Chipre. Num segundo resgate,  a intervenção do FMI seria certa mas de dimensão incerta.

 

Já o seu envolvimento no financiamento de programas cautelares não estando excluída será mais improvável. Estes tenderão a ser integralmente financiados pelo MEE que, progressivamente, se tem transformado numa espécie de Fundo Monetário Europeu.

 

  1. 5. Quem controla?

Os resgates envolvem um enorme estigma e pressupõem uma intervenção externa ostensiva, quer no desenho quer no acompanhamento da execução dos “memorandos” que justificam as missões trimestrais da troika.

 

Os programas cautelares prevêem um acompanhamento igualmente intenso e obrigações de reporte de informação a Bruxelas muitíssimo regulares, e exigem, inclusive, auditorias prévias para avaliar o estado das finanças públicas mas também a qualidade das estatísticas. A cada três meses, a Comissão, em associação com o BCE, fará um relatório ao Eurogrupo sobre o país “segurado”, centrado na sua (in)capacidade de se financiar integralmente nos mercados. Em contrapartida, não se contemplam missões trimestrais como as que actualmente são realizadas pela troika que, recorde-se, continuará (com ou sem programa cautelar) a exercer uma vigilância apertada, até que o essencial do empréstimo seja reembolsado.

 

6 . Quanto tempo dura?

Os resgates têm sido acordados para três anos. Os programas cautelares serão, em regra, válidos por um ano, podendo ser renovados por mais seis meses por duas vezes – no máximo, podem vigorar, portanto, durante dois anos. Findo esse período (ou antes), ou o país já consegue financiar-se nos mercados sem “rede de segurança” ou, não o conseguindo, terá de negociar um programa de assistência financeira pleno – ou seja, um segundo resgate.

 

7. Quanto valem?

É difícil avançar com números, mas é fácil estabelecer ordens de grandeza: os programas cautelares terão uma dimensão muito menor que os resgates. Em regra, está previsto que variem entre 2% e 10% do PIB do país. No caso de Portugal, estaríamos a falar de valores entre 3,4 mil milhões e 17 mil milhões de euros.

 

A título de comparação, refira-se que o programa de assistência a Portugal da troika, que termina em Julho de 2014 e que foi fixado para cobrir as necessidades de financiamento ao longo de três anos, elevou-se a 78 mil milhões de euros.

 

8. Que compromissos políticos exigirão?

Se o país pedir um segundo resgate integral, eventualmente com um novo horizonte temporal de três anos que ultrapassará, portanto, o da actual legislatura, os credores exigirão com toda a probabilidade um acordo entre PSD, CDS e PS sobre as contrapartidas de política. Foi isso que sucedeu aquando do primeiro programa de assistência na Primavera de 2011 que, tendo sido negociado pelo PS, foi respaldado pelos partidos do chamado arco da governabilidade por exigência da UE e do FMI. Eleições antecipadas, neste cenário, são um evento igualmente muito provável.

 

Se for pedido um programa cautelar, muito provavelmente também os parceiros europeus quererão garantias de rigor e de reforma dos três partidos. Mas como o programa terá, à partida, duração de um ano e o seu fim coincidirá com o fim da actual legislatura, essa exigência poderá ser suavizada, pelo menos em termos formais.

 

Em contrapartida, na Primavera de 2015, qualquer prolongamento do programa cautelar ou a eventual negociação de um segundo resgate obrigará a um entendimento entre os três partidos que, dependendo do momento da negociação e do resultado das eleições legislativas, poderá, como em 2011, eventualmente voltar a ser conduzido pelo PS.

 

9. Quais são as principais diferenças entre os três programas cautelares?

Os programas de assistência financeira cautelares assumem todos eles a forma de linha de crédito, ou seja, trata-se de uma autorização dada  pelo MEE (de que são accionistas os países do euro) a um seu país-membro para proceder a um saque de fundos até um determinado limite e durante um determinado período de tempo.

 

Essa linha de crédito cautelar pode ser usada por via de empréstimo destinado a financiar directamente o Estado beneficiário, ou pode ser usada, a pedido do país, pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade para comprar títulos de dívida desse Estado no mercado primário, financiando-o, assim, por via indirecta. A linha pode ainda ser usada para cobrir parte do risco assumido pelos investidores quando compram dívida do país segurado no mercado primário.

 

A versão mais “leve” em termos de condicionalidade e que só está disponível para os países que cumpram os tais seis critérios (entre os quais, um bom registo de acesso aos mercados financeiros) é a Linha de Crédito Cautelar Condicionada (PCCL, na sigla inglesa). Existe depois a Linha de Crédito com Condições Reforçadas (ECCL), na qual mais facilmente Portugal se encaixará, e, por fim, a ECCL+ em que se pode também ”segurar” parte do risco assumido pelos investidores.

 

Nesta versão de condicionalidade mais robusta, abre-se a possibilidade de o BCE intervir no sentido de ajudar a baixar os juros, normalizando as condições de financiamento, através de compras de dívida desse país no mercado secundário. Mas os contornos do programa  Transacções Monetárias Definitivas (OMT, na sigla inglesa) estão ainda muito pouco esclarecidos.

10. Como explicar aos seus amigos?

Se (compreensivelmente) quiser distinguir resgate de programa cautelar com uma linguagem bem simples, pode recorrer a estas imagens: “Andar de muletas não é o mesmo que de cadeira de rodas ” (Pedro Santos Guerreiro, director do Negócios); “Temos de sair deste inferno do ‘programa de ajustamento’ e passar ao purgatório de um programa de vigilância” (Brandão de Brito, professor do ISEG),  “Temos de sair dos cuidados intensivos e passar a uma convalescença assistida” (Eduardo Catroga. antigo ministro das Finanças do PSD.)

Jornal Negócios